Desde logo, um pensamento me ocorreu:
- O nosso ano, dos que nasceram em 1992 e fizeram exame em 2010, foi o último a estudar o Memorial com o escritor em vida. Essa perspectiva encheu-me de um engraçado orgulho injustificado (porque não tenho razões para me orgulhar, foi um mero acaso). Mas não podia deixar de sentir uma certa honra. Pudemos discutir em tempo real as controvérsias do seu texto, e tudo o que significou para nós, como portugueses!
Hoje apenas interrompi o meu estudo e as minhas pausas para alimentação com a memória deste homem. Deliciei-me a ver na sic notícias a repetição do seu debate com um padre, que de momento não me recordo do nome, peço desculpa pelo lapso. O debate era sobre o livro Caim. E descobri uma coisa, para além de gostar de o ler, gosto de o ouvir. Gosto mesmo. É o timbre ou a forma como o vocabulário se conjuga numa frase perfeita, com significados intrínsecos disfarçados, que dá um gozo especial decifrar ou ter a ilusão de que se decifrou. Acho interessante como o tomam como um ressentido com a igreja, e com uma série de ódios recalcados aos portugueses. Eu digo: "- que tonteira!". Não concordo. Acho que um artista tem liberdade para expressar as suas convicções de forma literária sem ser tomado como "hater". Afinal, é bastante estimulante desvendar todos os significados da ironia e crítica da sua escrita, e com isso analisar e perceber a sua visão de uma sociedade utópica. Opiniões. Faz parte de uma sociedade democrática e civilizada respeitá-las.
Aparte das controvérsias, é importante referir a beleza do seu texto, a maneira como, não sendo de todo o seu objectivo ser belo, se torna belo. A maneira crua e realista como descreve as coisas pode não nos agradar, mas não deixa de nos cativar como algo interessante e digno de análise. De uma grande análise.
Qualquer homem que cria algo deve ser louvado, pelo simples facto de nos dar algo para analisar. E é uma honra para nós (gostava muito que sentissem isto como eu estou a sentir no dia da sua morte) termos sido os últimos a estudar uma das suas maiores obras com o artista em vida.
Obrigada pela sua arte, José Saramago.
(e por alegrar o meu dia de estudo com a sua memória)
Já há algum tempo que pensava, algumas vezes, que a maioria das obras significativas que estudamos na disciplina de Português são de autores já falecidos - e, aproveito para a crítica, do sexo masculino! Na verdade, acho que não me lembro de nenhum autor, à excepção de Saramago, que fosse vivo enquanto estudavamos a sua obra. Não pude de deixar de pensar nisso hoje quando soube da sua morte. E senti, exactamente como tu, que fazia parte da última geração a ter esse privilégio. Ainda assim, acho que não foi um privilégio a que se tenha dado o devido valor. Gostava de ter estudado uma obra mais recente ou que se relacionasse mais com as sociedades dos nossos dias, ou então que o programa incidisse mais na crítica do Memorial aos dias de hoje. Enfim.
ResponderEliminarBeijinhos e boa Matemática, eu já estou pelos cabelos...
É um texto de alegria, muito vivo e muito belo, no momento da morte do escritor, e comovente por causa disso.
ResponderEliminarMuito bom texto, Luzia! Estou orgulhosa da tua reflexão, demonstra uma maturidade já tão grande. E de repente cresceste. É para mim surpreendente que a morte de José Saramago te tenha afectado de forma tão intensa. Talvez seja a questão da nossa finitude, até um escritor tão importante acaba por ser um simples mortal. Talvez isso, mas aos 18 anos todos somos eternos e esse é um bom sentimento a promover. Hoje morreu um velhinho. Um escritor nunca morre...
ResponderEliminarUm excelente texto, profundo e comovente.
ResponderEliminarO padre a que se refere era o Tolentino Mendonça, poeta. Uma excelente entrevista, sem dúvida.
"Os homens são anjos nascidos sem asas, é o que há de mais bonito, nascer sem asas e fazê-las crescer (...)"
José Saramago, Memorial do Convento
Bom estudo e um beijinho,
Ana S.