sábado, 10 de julho de 2010

Frustração

É incrivel os casos que têm passado por mim na última semana.
Como é que nós nos poderemos sentir quando vemos excelentes alunos, que tiveram péssimas notas que não correspondem ao seu verdadeiro valor académico, desesperados a pedir um recurso para a revisão do exame em questão para que, no final, se veja a injustiça cometida e as notas subam.
Por oposição, os péssimos alunos, ou seja, os "baldas", os "cábulas", os mal-educados, etc.. saem da escola de barriga cheia pois tiveram uma nota que, por obra e graça do Espírito Santo, foi "excelente" para eles e, por isso, passam a "amar" o Ensino Português e a escola, instituição que desprezaram durante os 3 anos que lá estiveram.
De facto, era o mesmo que eu trabalhar numa empresa, podendo faltar os dias que me apetecesse e, quando viesse, não ter que trabalhar passando o meu tempo a ver os outros (diga-se, os que trabalham verdadeiramente), mas mesmo assim, no final do mês, recebendo o mesmo ordenado que todos os outros. E o que é estes últimos iriam sentir? O mesmo que todos os bons alunos estão a sentir agora: FRUSTRAÇÃO.


Veja-se este caso de um amigo meu: é, e sempre foi, um aluno excelente. Desde o 10º ano que tem ido para o Quadro de Excelência com médias finais de 19, 18 e 19, respectivamente. Sempre foi pontual e assíduo, um tudo-nada conversador (mas nada que não se resolvesse), tendo respeito pelos Professores que, por conseguinte, também o respeitavam. Andou na área de Línguas e Humanidades tendo que realizar, pois, os exames de Português e de História. A Português sempre teve a mesma professora desde o 10º ano: super profissional e competente, tendo o cuidado de realizar todos os Testes Sumativos idênticos à estrutura de exame, para melhor preparar os alunos e, por conseguinte, corrigindo-os como se fosse uma professora correctora que estivesse a seguir os "afamados" Critérios vindos do Ministério. Com isso, o meu amigo foi a exame com 17 valores. Já a História foi sempre excelente: conseguiu sempre analisar os documentos de forma completa, além de que sempre soube a matéria toda, sendo um aluno extremamente interessado. A juntar a estes factos, teve a oportunidade de ter, no 12º ano, uma excelente professora de História que já fez parte daquele grupo restrito que faz os Exames Nacionais, além de que foi ela mesma, juntamente com outras duas professoras, que redigiu o Programa Nacional de História A para os 12ºs anos. Consequentemente, também esta professora fazia os Testes Sumativos idênticos aos exames, sendo que o meu amigo conseguiu, com ela, ir a exame com 20 valores. Porém, tudo se desmoronou no passado dia 8 de Julho: a Português teve 14,9, e a História 17,7. Consequência: a nota final das respectivas disciplinas avaliadas baixou um valor. Mesmo assim, acabou o secundário com média de 17,9. Porém, ele quer entrar para a Faculdade de Direito de Lisboa. Ora esta instituição diz-nos que, para entrada na mesma, conta 50% a nota do secundário e 50% a nota dos exames, sendo que as provas de ingresso são Português E História (ambas as que ele realizou). Consequentemente, e depois de fazer todos os cálculos, vai entrar para a Faculdade, se tudo correr bem, com 17,1 valores, havendo, desta forma, uma discrepância de 8 décimas em relação à média do secundário, aquela que representa o verdadeiro valor académico do aluno.

Ora eu não podia ter relatado esta história se não tivesse outra como ponto de comparação. Na turma desse meu amigo há uma aluna que sempre foi mediana. Bem educada, assídua e pontual, nunca se interessou muito pelos estudos. A juntar a isto, sempre teve o "privilégio" de se sentar ao lado de outro aluno excelente, por quem copiava nos testes, andando, desta forma, a reboque do mesmo. A única disciplina onde ela sempre teve uma excelente nota foi a Geografia: 18 valores. Isto explica-se por ela adorar esta disciplina. Conclusão: no 11º ano conseguiu ter 18 valores no Exame de Geografia, mas já no exame de História feito este ano tirou um mero 11. No entanto, e como é óbvio, ela quer seguir Geografia indo, pois, para a Faculdade de Letras que exige como única prova de ingresso a desta disciplina. Assim, apesar de ter acabado o Secundario com uma média de 15 valores, muito devida ao seu colega, como teve 18 no Exame de Geografia, vai entrar na Faculdade com uma média de 17 valores....a mesma do que a do meu amigo.

Pergunto-me: como é que os bons alunos poderão reagir a esta situação?. Isto é simplesmente frustrante, não há comentários. A "moral" que nós tiramos quando acabamos o Secundário, é que basta "marcarmos o ponto" nas aulas e estudarmos para os exames. Com isto, temos a entrada garantida na Faculdade. Aquilo que eu tenho visto nesta última semana é, simplesmente, frustrante. É por isso que é preciso "dar voz" a estes casos. Temos que reagir o mais rapidamente possível. Não podemos ficar impávidos e serenos quando olhamos para estas situações. O que me "contenta" é que na Faculdade os verdadeiros alunos se vão afirmar e, no final, vamos todos concluir que os mesmos são aqueles que eram, e sempre foram, alunos excelentes no Secundário.

É claro que nós não nos podemos comparar aos outros, mas é impossível ficar indiferente a esta situação, a este "marasmo" que se vive actualmente, a este Governo de aparência, onde o que realmente interessa é a "casca" e não o "sumo". Temos um sistema de ensino onde muito futuramente se poderá passar directamente do 8º para o 10º ano; um Ministério que só está interessado nas estatísticas e não na qualidade do ensino; deputados que, em vez de focarem este grande problema, preferem debater se o Presidente da Assembleia da República deve ou não viajar em Executiva; um Estatuto do Aluno que privilegia os mais fracos; uma Ministra que é apenas um instrumento no meio dessa "máquina ferrujenta" que é o Governo. Enfim... É "isto" que temos. Mas, mais uma vez, não podemos ficar indiferentes. Temos que tomar posição. É por isso que até apelo ao Público (que desde já saúdo efusivamente, e congratulo-me de ver que dá valor a este blog) para que dê voz a estes casos, que os divulgue no seu Jornal, para que cada vez mais pessoas tomem consciência desta situação.
Parafraseando Fernando Pessoa e, consequentemente, Sabine Almeida: É a Hora!

Afonso Brás.

5 comentários:

  1. Afonso, só posso aplaudir tudo aquilo que disseste. Como eu gostaria que, "quem manda", tivesse real consciência do que se passa, assim como quem comenta, a dita "opinião pública", que, em geral, apenas faz gala de um profundo desconhecimento. O teu testemunho exemplifica algo que nós, professores, conhecemos muito bem. A tua frustração, é a nossa.
    Quando começarão a dar visibilidade e valor a testemunhos reais, como o que apresentaste?

    "mas é impossível ficar indiferente a esta situação, a este "marasmo" que se vive actualmente, a este Governo de aparência, onde o que realmente interessa é a "casca" e não o "sumo"."

    Guardo a esperança que, aos poucos, se comece a despertar desse marasmo... e são vocês a trazerem-me essa esperança (que anda muito na "mó de baixo", confesso, olhando para o presente).
    Obrigada, Afonso.

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  2. Professora Fátima

    Sou eu que tenho que agradecer o seu comentário. De facto, hoje em dia, já nada mais interessa ao Governo a não ser a aparência. Depois admiram-se de ainda existirem problemas fulcrais em todos os sectores da nossa sociedade. Enfim, a minha esperança é que algum dia, por mais tarde que seja, "isto" mude. Deste modo, também eu guardo a esperança.

    Não tem que agradecer. Se escrevo assim e se tenho esta capacidade de análise, então é porque alguém me ensinou. E a Professora sabe muito bem quem foi(ram) - o(s) professor(es) claro.

    Obrigado por ter lido o meu texto. Cumprimentos,

    Afonso Brás.

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  3. Fantástico texto.

    Sou aluno finalista do 12º ano e há vários casos em que verifiquei precisamente as injustiças que referes. Os exames, para Medicina, contam 50%. Imagine-se o caso de uma pessoa que acaba o secundário com média de 189 (em 200), tem 180 no exame de FQ, 185 a Mat, e 144 a Biologia. Tem média de 179,3 para o dito curso no final, tendo acabado o secundário com 189. Este 179,3 é superior em 5 décimas ao valor do último colocado no curso com menor média do ano passado.

    É justo? Não me parece. Como este, há n casos.

    Cumprimentos.

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  4. E o pior é que tudo isso que se vê agora irá continuar na faculdade. Alunos graxistas normalmente levam sempre a melhor, tal como me parece que o autor do post está a fazer a essa professora. Infelizmente é assim, deixem-se de queixas e habituem-se pois é o país em que vivemos.

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