sábado, 10 de julho de 2010

Temos que ser um povo de 20

As notas dos exames, afixadas na última quinta-feira, espelham a vergonha e a mediocridade do ser-se estudante em Portugal.
O exame-polémica deste ano é sem dúvida o de Português. E eu questiono-me: como é que é possível alunos de 19 e 18 a interna tirarem 12 e 13 em exame? Ora, uma pessoa olha de leve, pensa e até pode concluir duas coisas à primeira vista: ou correu muito mal a todos os bons alunos (uma vez que foi o declínio em massa) ou o aluno não merecia o 19 interno mas o professor, como até simpatizou com ele e conhece o tio, a prima e o avô, deu-lhe a magnífica nota. No entanto, percorremos a pauta, e surgem-me duas novas questões: como é que há tantos 19 e 18 internos "falsificados" e como é que é possível que os alunos de 10 interno tenham 13 e 15 em exame?

Na minha escola todos os alunos com 19 interno, quatro no total, tiraram sem excepção entre 12,5 e 13,2 no exame; e todos os alunos com 18 interno, excepto uma aluna, tiraram entre 12,5 e 14 valores. Já os alunos com algumas dificuldades linguísticas, conhecidos pelos seus erros ortográficos e falta de organização discursiva, durante as duas horas de exame não haja dúvida que neles nasceu uma luz literária e deixaram a bela escrita fluir sem o mínimo erro.
Perante o choque das notas, os bons alunos não acreditam bem no que vêem e fixam os olhos centenas de vezes na pauta na expectativa de estarem enganados. Lêem uma, duas e 34 vezes as classificações, até que uma professora de Português, também surpresa com as notas, repara que até certo número as notas são relativamente jeitosas (10-16,5) mas a partir de certo nome, por volta da letra J, as notas estão miseráveis sendo a mais alta um mísero 14. O que se conclui? Mudança de corrector! Até à letra J, foi certo corrector. As notas correspondem com as expectativas, rondam o 12 e é neste grupo que se insere a sortuda do 18 que manteve a nota - neste momento todos nós gostaríamos de nos chamar Ana, Andreia ou Augusto, ou pelo menos ter um nome iniciado por uma letra anterior a J. É também neste grupo que os alunos com algumas dificuldades (muitos com nota negativa), conseguiram subir a nota interna porque em exame obtiveram 13 - nota, de realçar, superior à nota de exame de alguns alunos de 17 e 18.

Eis agora a face negra: os desgraçados com nome de letra inicial a seguir ao J, apanharam outro corrector que por sinal não devia estar muito bem humorado. Este professor, como é obrigado a corrigir exames quando um tempo de sol e praia o convida a um refresco tropical na toalha com o bónus de uma brisa marinha fresquinha, decide destruir os sonhos dos alunos. Analisando a pauta, é neste porção que se encontram os grandes alunos a Português, não só os de 19 e 18, como também os de 16 e 17, que viram a sua média arruinada.
Também os alunos com dificuldades foram prejudicados, havendo bastantes notas negativas nesta segunda parte da pauta (o que contrasta com as boas notas na primeira parte - até à letra J). Assim cerca de 50 alunos se vêem obrigados a pedir recurso quando podíamos poupar papel e chatices quer para os alunos quer para os professores, porque com más correcções o refresco e brisa fresquinha tem de esperar mais um mês.

Eu admito que os exames são importantes na avaliação dos alunos, isto porque os estudantes sabem que há colegas que têm boas médias, não por mérito próprio mas sim porque o professor conhece há anos a "mamã" e o "papá" do menino. Os exames, quando todo o processo é levado de forma rigorosa e eficaz, servem para meter os pontos nos "is". Pretendo eu dizer que um aluno com média alta que não a mereça, vai a exame e não a segura, bem como o contrário. No entanto, quando os exames são modelados por cada corrector, a situação já não é homogénea e desta forma haverá alunos beneficiados em detrimento de outros que serão claramente prejudicados.

Portugal infelizmente é um país que só se preocupa com o pacote: quer muita gente licenciada, quer bons resultados nos gráficos de estatística que envia para os outros países europeus, quer ver um povo inteiro com diploma. Como é que é podemos comparar a competência e desenvolvimento de um adulto, que consegue tirar o 12.º ano com o relato da sua história de vida, com um bom estudante também do 12.º ano que passou pelas físicas e biologias, matemática e psicologia? No papel é o mesmo diploma, agora não me comparem o desenvolvimento e evolução entre ambos que é completamente díspar. A ideia de que diploma implica evolução, conhecimento e competência é errada. Não é um diploma em seis meses que nos faz ganhar competências. Ora, assim, se nos atrevermos a abrir o pacote, só uma reduzida percentagem da população é que tem mérito e competência.

Portugal, para mim, é um péssimo aluno. Um bom aluno trabalha para o 21 - não só luta pelo 20 como também cresce, desenvolve e constrói-se. Já Portugal, luta para passar de ano, para fazer a disciplina, luta pelo 9,5. Não se preocupa em ganhar competências, em desenvolver, quer é acabar o ano e logo se vê. Infelizmente não tem objectivos. E um país sem verdadeiros objectivos não evolui, entra na profunda estagnação.
E se o próprio país é um aluno não exemplar, como é que os seus estudantes, homens do futuro, poderão rumar por ventos de mudança e evolução? É triste ver os políticos ajudarem os maus alunos, que não querem estudar, com bolsas de mérito que nem de mérito se deveriam chamar (porque 13 não é uma nota de excelência nem de muito empenho), com aulas de apoio (às quais faltam). Enquanto isso, os bons alunos estão por sua conta: querem evoluir mas o estado não os ajuda, temos grandes alunos na escola e só um deles recebe 500€ enquanto por bolsas de mérito se gastam 700€ por cada aluno com média a rondar os 13 - e quantos telemóveis de marca e carros bons o pais não têm. Porque se se é pobre, não se é bom aluno? Média de 13 leva o país para a frente?

Penso que os políticos deveriam reflectir sobre a educação. Se os alunos não forem bons, se os profissionais não forem competentes, como é que o País sairá do buraco negro em que se encontra? O País somos nós, há que lutar por ele. Se queremos um país de 19, temos de ser um povo de 20. Mas somos um povo de 9,5, e como tal nem um País de 9 valores somos.
É a hora!

Sabine Almeida.

3 comentários:

  1. Parabéns, Sabine, pelo teu comentário. E a tua conclusão é brilhante!
    Se bem que há algumas afirmações que poderiam ser desmontadas (esta minha tendência de repudiar as generalizações...), a verdade é que fico satisfeita por constatar o teu sentido crítico (e dos restantes alunos que aqui escrevem) e a tua capacidade de revolta esclarecida. Principalmente, fico satisfeita por vos ver a falar publicamente, pois saber que existem jovens como vós sei-o eu: sou professora e conheço muitos assim. E, por isso também, lamento tanto ter que concordar contigo... se nada for feito, a tempo, o ensino público corre o risco de ir pelo esgoto e os jovens, como aqueles que aqui se apresentam, verão parte da sua formação, uma parte tão importante para o seu futuro, e o do país, comprometida.

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  2. Concordo plenamente contigo =) Os exames deviam ser a distinção entre os alunos que realmente trabalham e merecem as suas notas e os alunos de colégios que pagam por elas e têm a vida facilitada, no entanto, tal não é possível porque os exames são mal feito: as questões são básicas e os erros são resultado das "armadilhas" que abundam. Conclusão: quem vir os nossos exames não sabe que nós sabemos o que sabemos. Como podemos então provrar que aprendemos?

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  3. Eu também sou professor (de História) e é nesta condição que te felicito pelo teu texto. E, para não me alongar mais, roubo as palavras da Fátima Inácio Gomes, na certeza de que ela não se importará.

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